Quando a mera presença é, em si, uma performance – Filipe Cerqueira

A propósito da primeira apresentação nacional da obra “CROON HARVEST” de Jack Sheen realizada no Museu de Arte Contemporânea de Serralves pelo Ensemble Vocal Pro Musica.

Estar sentado é algo que apraz a muitas pessoas. Caracteriza-se por ser sinónimo de calma, planeamento, apaziguamento, reflexão, bem como inércia, flacidez, prostração. O acto de sentar envolve confiança, decisão, envolvimento com o espaço. A duração desta posição pode induzir a pessoa sentada em sentimentos simples, díspares, contraditórios.

Cantar é natural, a afinação é que já não o será tão imediatamente. Envolve muito ou pouco esforço, coloratura ou manutenção longa de um som e é sempre uma aventura. A junção destas duas acções, cantar enquanto se está sentado, pode ser todas estas coisas acima elencadas.

Estar sentado também pode ser o antónimo de movimento, reflectir uma pausa, contemplar um tempo medido não por passos mas em Tassos. Uma pessoa sentada assemelha-se a uma ilha, que tanto pode estar em ebulição como apaziguada, inerte. O que lhe dará um carácter um pouco fantasmagórico se ao mesmo tempo estiver a emitir sons de baixa intensidade em frequências agudas.

Enquanto que para alguns terá sido de alguma violência física estar a cantar durante muito tempo, mesmo em modelo rotativo com outros coralista, sempre sentados, imóveis e a segurar num telemóvel numa posição desconfortável e anatomicamente estranha, para outros terá sido um momento de auto-descoberta. Poderá não ter sido prazeroso, mas pode ter impelido à elaboração de respirações mais profundas comparadas com as que se realizam no dia-a-dia.

Nada comparado às violências de uma performance de Marina Abramović nem à experiência inaudita de cantar dentro das piscinas do Clube Fluvial Portuense em 2009 através da obra “You Who Will Emerge from the Flood” de Juliana Snapper

Para quem esteve presente nos dois dias de apresentação desta obra fica o sentimento de ter ouvido e visto uma performance que envolve o público sem se imiscuir no seu trajecto, que faz parte do ambiente sem o desvirtuar e que adiciona sons naturais sem ser um complemento ao que a Natureza revela num jardim.

Trata-se, assim, de uma performance inquietante e, ao mesmo tempo, uma demonstração de quietude.

Fotografias: Filipa Santos